
Quando li algo sobre Mariana Aydar que acabava de lançar “Kavita 1” seu primeiro álbum, não esperava grande coisa. Era mais uma cantora da “nova geração” que regravou uma canção do Los Hermanos e escolheu uma clássica do repertório de Elis Regina. De cara não me chamou atenção, mas após ouvir sua desconstrução para a música “Deixa o verão” me encantei e fui atrás do CD. De cara me apaixonei pela faixa que abre o disco “Minha Missão” depois pela faixa “Zé do Caroço” um samba elegante com letra politizada de Leci Brandão (que divide os vocais com Mariana Aydar na faixa) e por fim pela composição de Chico César na canção “Prainha”. Três faixas em um CD foi de bom tamanho para que eu me simpatizasse com ela. Depois assisti ao especial “Som Brasil Caetano Veloso” em que ela desconstruiu novamente “Beleza Pura” e deu uma interpretação visceral para “Força Estranha” e me apaixonei completamente. Também reconheci sua força em uma apresentação ao vivo. Achei-a extremamente carismática e atraente no palco, dominando-o completamente e chamando a atenção do público que praticamente não conhecia seu repertório. Sempre quis encontrar uma cantora que apresentasse características fortes no palco como Gal Costa na década de 70. Colocava minhas fichas em Vanessa da Mata, mas depois de vê-la ao vivo e ver que sua voz não é tão segura quanto nos discos, acabei elegendo Mariana Aydar que tem uma atitude de palco bem próxima da saudosa Gal-Fa-Tal.
Agora ela lança o disco “Peixes, pássaros, pessoas” que diferente do disco de estréia é praticamente autoral. Não há regravações de clássicos da música brasileira. No disco novo ela se arrisca em um repertório completamente inédito repleto de boas canções. O ritmo predominante é o samba, mas misturado com outros ritmos e barulhinhos bons. Aliás, antes do disco sair haviam confirmações de que as faixas “Beleza Pura” e “Vai vadiar” de Zeca Pagodinho (que ela sempre cantava nos shows), fariam parte do novo álbum, mas pelo que parece ela decidiu investir em novidades e convidou Zeca Pagodinho para participar em uma outra música. As minhas prediletas são “Florindo”, “Palavras não Falam”, “Beleza” (que tem a participação da cantora Mayra Andrade), “Aqui em casa” (deliciosa), “Pras bandas de lá”, “Ta” (que tem uma levada de carimbó, mas com programações eletrônicas, lembrando praticamente um tecnobrega bem feito!rs) e “Peixes” (um trecho da faixa dá titulo ao disco. É a minha preferida, por tudo, letra, arranjo e principalmente interpretação. A música vai ganhando força aos poucos e cresce numa proporção absurda, é de arrepiar!).
O disco ainda conta com a participação de Lanny Gordin, guitarrista que gravou os melhores discos da carreira de Gal Costa. E aqui eu posso finalmente comprovar que existe sim uma conexão entre Gal Costa e Mariana Aydar. Sinto no disco “Peixes, pássaros, pessoas” uma mistura de Gal Tropical e Fa-tal, mas atualizada com a nova geração, repleta de compositores bacanas como Luisa Maita, Roberta Sá & Pedro Luis, Carlos Rennó e a própria Mariana Aydar e seu marido Duani, parceiro e produtor do disco.
Outra conexão entre Gal e Mariana envolve ninguém menos que Caetano Veloso.
Peixes Pássaros Pessoas
"Quando ouvi o primeiro CD de Mariana Aydar (faz um ano, mais?) fiquei muito impressionado com a firmeza, a calma e a originalidade de uma jovem grande cantora dentro da tradição brasileira de cantoras grandes. O lançamento agora deste segundo álbum confirma a personalidade artística dessa paulistana com longas passagens pelo litoral Sul da Bahia.
O vínculo com o samba amadurecido e modernizado se comprova. Os ecos da infância artística no mundo do forró estão talvez mais presentes do que antes. A parceria com Duani de música e de vida traz segurança e graça a essas filiações. O encontro mágico com a caboverdiana Mayra Andrade (encontro cuja dimensão celestial pode ser vista e ouvida também no filminho disponível no YouTube das duas cantando a canção Tunuka sentadas no chão da rua de uma cidade grande) mostra o poder da musicalidade, a sutileza do processo de modernização da música brasileira e o mistério do destino da expansão lusitana pelo mundo, no nascedouro da modernidade.
Escrevo com apenas os sons das faixas desse novo disco: não recebi nem pedi ficha técnica, títulos das canções ou quaisquer créditos. Talvez esse seja o jeito certo para abordar modestamente o trabalho de uma mulher de maneiras tão diretas, de clima tão saudavelmente carnal e de pensamentos e disciplinas tão transcendentalistas.
Mariana abre o disco com um samba super-samba e o fecha com uma melodia de samba ad libitum em diálogo com guitarras (violões) em sons experimentais. Entre os dois, há xote caribeado, baladas e muito samba. Em dueto com Zeca Pagodinho, ela confessa que do samba não pode se livrar. O samba domina o álbum - sem fazer deste um disco de sambas. Pode-se dizer que assim o domina mais do que se apresentasse oficialmente como um disco de sambas: é a atração irresistível pelo samba que orienta o estilo e o repertório, não uma decisão pré-existente nesse sentido.
Há quem veja pouca importância ou novidade no aparecimento de uma geração de jovens cantoras atraídas pelo samba. Em geral, são pessoas que confundem importância com novidade - e que não sabem onde há novidade de fato. Para mim é novidade que haja Mariana, com sua voz desaforada e tranquila reafirmando a riqueza do canto das mulheres em nosso país. E que o faça de uma perspectiva naturalmente moderna e relaxadamente consciente dessa modernidade. O Brasil nunca se curará do seu antigo ensimesmamento forçando um olhar só para fora de si: se fizer assim, estará se convencendo de que o relevante é necessariamente o que passa longe de nós. Parece que instituímos o seguinte: quanto mais evidente e radical se consiga fazer parecer que essa distância é, mais relevante se prova a música produzida. O que é a consequência extrema do ensimesmamento. Meu entusiasmo com o surgimento de cantoras-cantoras, conhecedoras de como se canta em português brasileiro há décadas - e ao mesmo tempo à vontade com a música popular global - se deve à minha desconfiança em face dos que fingem só amar o que pareça inalcançável pelo Brasil. Isso pode significar apenas que não se ama nada. Mariana - como Roberta Sá, Maria Rita ou Mônica Salmaso - é uma prova de que, ao encorpar-se em sua história, a música popular brasileira se reconhece relevante para o mundo. E o mundo só dá mostras de que continuará a atentar para isso"
(Caetano Veloso)