Uma das fotos que tirei do projeto X-Moradia, inspirou um texto criado pelo Rodrigo. Como adorei o texto e a interpretação que ele deu para a moça sentada no sofá em meio aos pássaros, aproveito pra postar aqui também.

Psittaciforme
Joana presa em casa, na escuridão se estanca de si. Joana que mal mexe o braço direito envolto em tipóia macia de algodão. Joana que observa seus cinqüenta pássaros em seu apartamento escuro de cinqüenta metros quadrados. Essa Joana, que assim como eles não aprendeu a voar. Ela mesma, a menina-moça, tem luz azul nos olhos – reflexo da geringonça que devora no silêncio sua visão –, engole seco, mal consegue respirar. Joana acorrentada que traga suas dores sem expirar fumaça; precisa trocar os passos, calçar os sapatos, precisa voltar a andar. A menina que ao recolher migalhas rasteja pelos tacos, e prolonga os seus bits e os seus bytes, com ares de quem se deixa ao Deus-dará. Embora consciente de que o seu azul será outro, aceita a canção dedilhada que vem abrir-lhe as feridas. Sua canção é de poucos acordes, de gosto amargo e notas ébrias de blues que estranho, estranho, tem cheiro de mar. Joana sorve suas notas com fúria, sorve aos lábios secos sem distinguir cor ou sabor. Ela, que de tanto excremento dos bichos inalar já quase não sabe quais sentidos usar. Joana, que sem asas e passos sente sozinha o mistério que a acoberta, e cúmplice da noite a faz colecionar as penas, todas elas, que caem dançantes embolando o seu cabelo; ela que sozinha preenche as rachaduras do teto, entende mais que o povo da rua sobre a solidão aviária existente – “Mesmo quem voa, cai só. E só...” Joana prisioneira de si mesma, embaralha seus números, tece cordas e nós. A menina-ave que assiste à TV sem som, que prefere a canção dos alados. A ave que não se chama Joana, que não tem nome, idade, razão. Ela que sonha miúdo, que sonha acordada aspirando parágrafos, e depois implora por mais deles, mas desprovidos de repetição. Joana-menina-moça, Joana-sem-nome só quer se livrar de todo o peso daquele algodão; Joana-ave que pragueja sua tipóia e escancara as suas janelas, sem abrir os braços em cruz, sem esquecer os bits e bytes. E penas. E canção. E tacos..., os seus metros quadrados. Joana-sem-nome deseja perder as contas, quer ser passarinho. Joana, frágil Joana, que a cada manhã recolhe os seus pedaços junto à sujeira do ninho.